Transformação Laboral
Transformação Laboral
Nas últimas décadas temos vindo a assistir a profundas transformações no mundo do trabalho, que foram sendo preparadas pelas sucessivas revisões à lei do trabalho, pelo surgimento do trabalho digital, pelos novos conceitos de trabalho, pelo enfraquecimento das estruturas representativas dos trabalhadores, pela globalização do mundo do trabalho, pela terceirização e pelo surgimento de flagelos como a contratação em regime de contrato de trabalho a termo, o recurso a empresas de trabalho temporário e o teletrabalho (https://gestornosapo.blogspot.com/2020/03/teletrabalho-da-contingencia-ao-futuro.html). A nível interno, em cada empresa, assiste-se a uma redução de custos com pessoal e consequente desvalorização do trabalho. Por outro lado regista-se o crescimento de novos leques salariais excessivamente elevados e não justificáveis, sobretudo em contextos de austeridade e se comparados com cargos homólogos na Europa. Os novos sistemas de contratação vieram permitir o indesejado abaixamento salarial suportado na precariedade de trabalho. Tal retrocesso salarial veio criar novos níveis de pobreza, dentro do universo dos trabalhadores, pois quem tem um emprego não é garantia para ficar acima do limiar da pobreza. Por outro lado assistiu-se ao agravamento fiscal (IRS) também nos escalões de rendimentos mais baixos, ao contrário da tendência do resto da Europa.
Entretanto saíram milhares de trabalhadores para o desemprego, durante a última década. Muito poucos voltaram a trabalhar. E aqueles que conseguiram algum tipo de trabalho, passou a ser precário.
Os trabalhadores que ainda permanecem ligados ao seu contrato de trabalho de sempre, vão sofrendo pressões no dia-a-dia, levando a desejar, mais do que nunca a sua saída para… o desemprego.
De facto as empresas em consonância com as consecutivas revisões ao código de trabalho, têm vindo a transformar os locais de trabalho em locais pouco estimulantes para trabalhar. São raras as empresas, mas existem, que decidiram, nos tempos que correm, tornar a empresa um local estimulante para trabalhar, concedendo regalias, incentivos, mas sobretudo reconhecendo dignidade ao trabalhador.
Está instalado um clima pesado na maioria das empresas, onde impera a competitividade pessoal levada ao extremo, onde deixou de existir o apoio à parentalidade, emitindo-se medidas avulsas apenas para exemplificar o contrário. Existe uma forte orientação para as vendas, sem olhar a meios.
As estruturas representativas dos trabalhadores, foram sendo esquecidas durante décadas, até ao início da crise, há cerca de dez anos. Quando começaram a ser mais solicitadas para intervir contra a desregulamentação do trabalho, viram-se desajustadas no tempo, fragilizadas e com menos sócios. De facto urge às estruturas representativas dos trabalhadores encontrarem resposta com a brevidade possível a novos fenómenos no contexto laboral. Se em décadas anteriores existia uma preocupação na erradicação das horas de trabalho não pagas, agora surgiram novos desafios. O direito à desconexão, o trabalho digital, o outsourcing, o sistema de avaliação individual de desempenho, são novas realidades, tendo inclusivamente gerado doenças mentais ligadas ao trabalho. As duas últimas são ferramentas utilizadas muitas vezes para pressionar os trabalhadores que ainda possuem contrato sem termo nas empresas, colocando todos os trabalhadores em concorrência feroz entre si. Os sindicatos levaram décadas a construir a contratação colectiva que agora está a ser desmembrada a cada revisão contratual, com reflexos na degradação das condições de trabalho e perda de regalias e direitos dos trabalhadores. O assédio moral e o assédio sexual parecem ter ganho novo fôlego dentro das empresas.
Existe actualmente, no seio dos trabalhadores, uma espiral de medo, solidão e até desespero, gerando sofrimento constante.
Se na verdade as estruturas representativas dos trabalhadores acordaram enfraquecidas, são estas que melhor podem representar os trabalhadores. Por seu lado, os trabalhadores estão desacreditados devido à promiscuidade entre estas estruturas e a política, razão pela qual não se revêem muitas das vezes nessas formas de representação. Paralelamente às tendências politico-partidárias, vão surgindo movimentos autónomos de trabalhadores, que pretendem apenas a defesa do posto de trabalho e a recuperação da sua dignidade. São trabalhadores que revelam uma postura determinada e cuja vontade em defender o seu posto de trabalho, vem de dentro para fora. Ou seja, parte de si mesmo. Torna-se assim mais genuína a vontade em querer defender os seus direitos. Esses movimentos começam a ser reconhecidos pelos seus pares.
As estruturas representativas dos trabalhadores, colocadas perante este desafio da transformação laboral, têm que encontrar a sua própria agenda, com vista ao diálogo social e partir para a negociação colectiva, com vista à recuperação de direitos e interesses dos trabalhadores, recentemente perdidos, mas também ir ao encontro das novas realidades. Os trabalhadores exigem novas respostas por parte destas entidades. Na forma como comunicam, como vão ao encontro dos trabalhadores, incluindo os precários que não têm direito a agregarem-se nestas estruturas. Ir ao encontro dos que estão mais fragilizados e permeáveis a pressões. É preciso encontrar uma nova mensagem e forma de actuar distintas do passado.
O surgimento de novas profissões e novas formas de contratação também vieram colocar novos desafios. A presença permanente destas estruturas nos locais de trabalho é fundamental para contribuir para uma maior harmonização e quebrar a sensação de isolamento, medo e falta de informação. Vivemos num mundo cada vez mais global, com acesso a novas tecnologias e redes sociais, mas nem por isso se contraria o isolamento entre os trabalhadores. Cabe também a cada trabalhador agregar-se ao seu grupo de representativo, a fim de contrariar este fenómeno de isolamento no local de trabalho em pleno século XXI. A transformação de cada trabalhador é o destino para que o mundo do trabalho seja positivamente sustentável, alcançando novas dinâmicas e sinergias.
Porto, 25 de Março de 2017
João Pires
João Pires |
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