Morri com tanta informação
Escrevo este pequeno texto num contexto de dilúvio de informação digital.
Nesta era da torrente digital, vejo-me mergulhado num rio rápido tentando manter-me à tona. O rio que transporta a água a correr é o caudal de informação que importa receber, como se de uma vacina obrigatória se tratasse. São as notícias em catadupa, umas desmedidamente mediáticas, outras perdidas no olho do furacão, mas consideradas com algum interesse.
Logo aí, se torna difícil distinguir o que interessa no meio do palheiro.
O mesmo já sucedia com as centenas de canais de televisão oferecidos pela operadora, sabendo eu que só posso consumir um canal de cada vez e ainda por cima apenas meia hora diária.
É a partir do telemóvel que entram os alertas de novas mensagens e mudanças de estado nas redes sociais, obrigando a interromper o que estou a fazer para verificar o que aconteceu desta vez. Afinal foi alguém da alta sociedade que decidiu separar-se ou foi o gato que ficou preso na árvore ou ainda a nova habilidade do cão da vizinha que sabe cantar.
Espremido e resumido, vejo que nada aconteceu de interesse que justificasse a interrupção da escrita desta crónica, ao ponto de nem me recordar do que vi na meia hora anterior.
Para escrever este pequeno texto, que considero uma autêntica prova de resiliência e força de vontade contra as tentações das redes sociais e outros desafios, tive que colocar em modo de voo o meu telemóvel, depois de ter sido interrompido três vezes. Noutras ocasiões desligo mesmo o telemóvel e chego a conclusão que afinal nem senti a falta dele.
Depois de terminar este pequeno texto irei retomar a leitura do meu livro enquanto espero pela minha filha que está na aula de basquete.
Escrevo a partir do interior do carro, tendo puxado o banco para trás para deixar mais espaço para bater nas teclas do computador portátil sem acesso à rede de internet.
Enquanto isso ouço o barulho do vento a roçar as árvores e o canto perdido de um pássaro a anunciar o tempo quente.
Por agora sou interrompido pelo barulho de um avião que passa baixo e faz ecoar o ruído dos seus motores pelos céus, o que se trata de um mal menor se comparado com os alertas do telemóvel durante 24 horas por dia. Para limitar essa invasão o meu telemóvel adormece às 22h e acorda às 7h, assim, durante o período de descanso não irá interromper o meu sono.
Não me havia dado conta que o digital pode invadir assim tanto o meu espaço, pode tomar conta dos meus pensamentos e desejos e pode até fazer sugestões de viagens ou artigos que eu tenha pesquisado previamente. A tecnologia é fantástica e deve estar ao serviço da humanidade. Só não entendo como é que a máquina adivinha os meus pensamentos.
Por enquanto consegui sobreviver sem o digital durante trinta minutos, o que considero uma proeza. Talvez amanhã consiga estar afastado do digital um pouco mais de tempo. É bom estar ausente do ambiente virtual, pelo que voltarei a repetir a experiência. Sinto que a minha capacidade de leitura no papel está a melhorar a ritmos nunca antes imaginados. Imagino até que posso desenvolver poderes ilimitados no meu pensamento se estiver longe da realidade virtual e de tanta informação repetitiva e desnecessária.
26-maio-2023
João Pires
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